segunda-feira, 23 de junho de 2008

Resenha de "O urbanismo como modo de vida", por Paloma Karuza Maroni da Silva.

Resenha do texto: WIRTH, Louis: O urbanismo como modo de vida. In Velho, Otávio (org.), O Fenômeno Urbano, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 1979.

1) Idéia central:

Louis Wirth apresenta nesse texto uma definição sociológica de cidade, fundamentada nas relações entre a quantidade, densidade e relativa permanência da população e a heterogeneidade dos habitantes da cidade. A partir dos postulados implícitos no conceito de cidade, o autor propõe a formulação de hipóteses acerca das formas de organização social e de ação características da vida urbana, visando a construção de um corpo teórico da sociologia urbana por meio de sucessivas elaborações teóricas e aplicação de pesquisas empíricas.

2) Principais conceitos utilizados:

- modo de vida; urbanismo; densidade; civilização; urbanização; cidade; personalidades urbana e rural; processo de interação; diferenciação social; heterogeneidade; tradição folk; status flutuante; sistema de comunicação; tecnologia de produção.

3) Síntese:

O autor começa por estabelecer a relação histórica entre a cidade moderna e o complexo de idéias, práticas e códigos sociais que chamamos de civilização. O urbanismo é apresentado como um complexo de caracteres que formam o modo de vida tipicamente urbana. Um desdobramento desse conceito é que não se pode mensurar o grau de urbanidade da civilização contemporânea pela simples determinação da proporção da população que habita as cidades. A influência do modo de vida urbano está além dos limites da cidade, expansão que só é possível pelas intensas trocas proporcionadas pelo sistema de comunicação e pela adoção generalizada da tecnologia e das relações sociais de produção modernas. É importante lembrar que os espaços rurais não estão isolados do centro urbano, ao contrário, a lógica urbana integra os diversos setores da sociedade, incluindo as áreas rurais, em seu universo político, econômico, cultural e social. Portanto, é impossível falar em cidade pura ou em campo puro, ambos são tipificações ideais de formas de comunidades e de relações sociais. A realidade abriga diversas gradações que se encontram entre esses tipos extremos.
Percebendo a arbitrariedade de se definir uma comunidade como sendo urbana fundamentada apenas no tamanho da população ou em sua densidade, o autor propõe que se faça referência a características sociais significativas na conceituação do urbano. Há dessa forma uma diferença entre a definição sociológica de cidade e seus limites administrativos ou legais captados pelo recenseamento urbano. Nas palavras do autor, sua definição de cidade: “(...) um núcleo relativamente grande, denso e permanente, de indivíduos socialmente heterogêneos” (p. 96).
Algumas proposições derivadas do conceito de cidade são levantadas pelo autor. Quanto maior a heterogeneidade e densidade da população, mais intensamente se manifestarão as características do urbanismo. O grau de interação social também é uma variável importante, quanto maior for o número de indivíduos se relacionando na sociedade, maior será a diferenciação potencial entre eles. O autor também aposta na continuidade de algumas tendências, como o desaparecimento da tradição de folk e da significação dos vínculos de parentesco e da família como instituição central.
O aumento do número de habitantes interagindo modifica a forma das relações sociais, que tendem a transitoriedade, superficialismo, fragmentação e anonimato. As relações sociais passam a se pautar na lógica utilitarista, devido à pressão da divisão do trabalho e da especialização dos indivíduos. A forma política característica do modo de vida urbano é o sistema representativo. Assim, o indivíduo precisa se articular em diversos grupos de interesses para se valer na arena política e social.
A densidade populacional tende a vir relacionada com a diferenciação social e os grandes contrastes urbanos, tanto de natureza econômica como social e cultural, o que pode potencializar tensões nervosas. A distribuição dos diferentes grupos na cidade não ocorre por acaso, obedece a uma lógica urbana de classificação, seleção e alocação de indivíduos, recursos públicos, instituições e serviços. Essa lógica está relacionada a vários fatores como o mercado de consumo e de mão-de-obra. As diferentes localidades acabam por se inserir na lógica urbana de formas variadas, surgindo assim as desigualdades regionais e dominância dos centros urbanos. A mobilidade seria outro traço marcante do modo de vida urbano, manifestando-se no status flutuante do sujeito no meio sócio-econômico, no elevado grau de renovação dos membros dos diferentes grupos e nas mudanças contínuas de residência e local de emprego.

4) Comentários, dúvidas e ou críticas:

O autor incorre em vários erros ao derivar características do modo de organização urbana do conteúdo esquemático do conceito de cidade. Ele acaba naturalizando a vida urbana e ao mesmo passo idealizando-a. Para ele, a cidade “não só tolerou como recompensou diferenças individuais. Reuniu povos dos confins da terra porque eles são diferentes e, por isso, úteis uns aos outros e não porque sejam homogêneos e de mesma mentalidade” (p.98). Do postulado da heterogeneidade como caráter urbano, Wirth formulou várias de suas hipóteses, como a tendência da especialização dos indivíduos, inspirada na teoria de Durkheim da divisão do trabalho social, como seu conceito de solidariedade orgânica. Em termos durkheimianos, quanto maior o volume, a densidade moral e material da sociedade, maior a pressão pela divisão do trabalho social. A partir dessas idéias, o autor supõe uma lógica implícita da cidade: o diferente é bom, uma vez que é útil, e portanto tende a ser respeitado e tolerado no meio urbano. Essa idéia carece de verificação empírica. Ao mesmo tempo em que os centros urbanos são relacionados à diversidade e maior tolerância, também são relacionados às desigualdades sociais, marginalização de grupos e intolerância frente a outros, minoritários ou não.