segunda-feira, 10 de setembro de 2007

"Sociedade de Esquina"


Resenha do texto: WHYTE, William Foote. Sociedade de Esquina. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005.

Aos 22 anos de idade, William Foote Whyte, recém formado em economia, havia entrado para a Universidade de Harvard contemplado com uma bolsa júnior de três anos, para a realização de um trabalho acadêmico, sob condição de que não deveria o mesmo contar créditos para um curso de pós-graduação. Assim, ele decidiu em 1937, estudar uma comunidade pobre de imigrantes italianos em Cornerville, Eastern City, na realidade o North End de Boston, também conhecida como Little Italy. Seu objeto de estudo foram os rapazes de esquina, gângsteres e políticos. O que levou o autor a enveredar por esta temática, foi o fato de se perceber bastante insatisfeito com suas experiências insossas de rapaz bem sucedido de classe média, como ele mesmo diria “acabei por me sentir um tipo bastante banal”, com uma vida “sem aventuras”. E deste modo, se tivesse que escrever alguma coisa que valesse a pena, diz o autor: “teria de alguma maneira que ir além das estreitas fronteiras sociais de minha existência.” (p.285). E foi nessa saga que o autor acabou fazendo o doutorado em sociologia/antropologia na Universidade de Chicago, onde passou a lecionar em 1944. Foi diretor de pesquisa do programa de emprego da Cornerll University, presidente da American Sociological Association e da Society of Applied Anthropology. Também escreveu diversos livros principalmente sobre metodologia de pesquisa, tais como Learnig from the Field e Participant Observer.
O autor em seu trabalho de pesquisa estudou as gangues de esquina, as organizações mafiosas e policial, a organização política e a estrutura social. Todas elas foram descritas e analisadas em termos de uma hierarquia de relações pessoais baseada num sistema de obrigações recíprocas. Para o autor, estes são os elementos fundamentais com os quais são construídas todas as instituições em Cornerville. E ao contrário do que se cria, o problema das comunidades pobres do distrito não era falta de organização, mas o fracasso de sua própria organização social em se interconectar com a estrutura da sociedade à sua volta. Daí a explicação para o desenvolvimento das organizações políticas e mafiosas locais.

O livro foi dividido em três partes, tendo também uma introdução e anexos. A parte I tem como tema Rapazes da Esquina e Rapazes Formados. Nesta primeira parte, como ele via fazer também ao longo da obra, o ator opta por estudar as pessoas em particular, procurando ver como elas se relacionam umas com as outras em diversas situações com as quais se defrontam em suas carreiras. Ele define as pessoas estudadas na parte I como sendo os “peixes miúdos”, procurando perceber como elas organizam as atividades de seus próprios grupos, para depois situar esses mesmos grupos na estrutura social na segunda parte, onde ele analisa o que denominou de “peixes graúdos” (as organizações mafiosas e políticas). E com isso ele vai tentar responder a uma pergunta: o que faz de um homem um “peixe graúdo” e como ele se torna capaz de dominar os “peixes miúdos”?
Primeiramente, ao estudar os Norton, que eram a gangue de Doc, seu primeiro e principal mediador e informante na relação com as gangues, o autor percebeu que o boliche se tornara a atividade social mais significativa dos rapazes de esquina. O jogo contra o Clube da Comunidade Italiana, formado na sua maioria por rapazes formados e liderados por Chick, serviu para aumentar o entusiasmo dos Norton com relação ao boliche. “As classificações da temporada 1937-38 mostram uma correspondência muito próxima entre posição social e desempenho no boliche” (p.46). Daí o autor descobre que o desempenho de cada rapaz, estava intimamente ligado com a posição social no grupo. E associado a isso, a posição de um homem aos olhos de outros grupos também contribuía para manter a diferenciação social interna.
Ao analisar a estrutura e a mobilidade social entre os rapazes de esquina e os rapazes formados, estes se apresentam divididos em três níveis sociais, onde se encontram os rapazes de esquina na base; os rapazes formados, no topo; e entre eles, os intermediários, que podiam participar dos dois grupos. E mais, os formados estavam interessados acima de tudo, na ascensão social, ao passo que os rapazes de esquina, preocupavam-se sobretudo com a comunidade local. Assim se vê a amizade entre os rapazes formados do Clube da Comunidade e as garotas do Clube Afrodite, com quem se reuniam uma noite por semana no Centro Comunitário, e também promoviam por vezes atividades sociais em conjunto. As moças, segundo o autor, “circulavam numa órbita social diferente” (p.49), e os Norton, gangue dos rapazes não formados, as consideravam esnobes e presunçosas. E é por essa razão que quando os rapazes passaram a relacionar-se com o Clube Afrodite por intermédio do Doc, o jogo de boliche ameaçou dividir os Norton, devido a relação social de conflito com as mesmas. E Whyte diz que a associação com as garotas era, como no caso do boliche, um meio de ganhar, manter ou perder prestígio no grupo (p.57).
A posição social e a conduta de cada segmento também influenciaram a opinião dos assistentes sociais que estavam vinculadas ao Centro Comunitário. Este era constituído por pessoas de classe media alta de ascendência não italiana (quase todos ianques). E viam os rapazes de esquina como preguiçosos, numa sociedade em que a educação universitária é tida como extremamente importante para o progresso social e econômico. A concepção que os assistentes sociais tinham de suas funções era bastante evidente, diz o autor, eles pensavam em termos de uma adaptação numa única direção, que seria na concepção da Escola de Chicago, o processo de assimilação.
Ao se debruçar sobre os gângsteres e sua relação com os políticos, Whyte percebe que no caso de Cornerville, a principal função do departamento de policia não é fazer cumprir a lei, mas regular as atividades ilegais. Pois o policial se encontra sujeito a pressões sociais altamente conflitivas. Primeiramente porque muitos dos policiais cresceram no mesmo ambiente que os gângsteres, e segundo, porque socialmente, o policial de Cornerville tem mais em comum com a vasta maioria do povo que participa dos jogos ilegais e com os gangsteres que com os que demandam a aplicação da lei. E mais, as propinas pagas pelos gangsteres têm um peso que dificulta mais ainda o papel dos policiais na comunidade. E o autor identifica que para o policial, o mais fácil é agir de acordo com a organização social com a qual está em contato direto, e ao mesmo tempo, dar uma impressão à comunidade de que faz cumprir a lei, cujo resultado é amortecer os conflitos entre as organizações sociais divergentes. Porém isso não significa que a polícia e a organização ilegal entrem numa grande conspiração e concordem a respeito de uma política comum, pois as relações entre os mesmos se dão entre indivíduos, e as ações de ambos são resultado do hábito e do costume.
E o autor acrescenta que mesmo que um estudo possa revela certos padrões consistentes nas ações das pessoas, não é correto presumir que alguém as tenha planejado para serem como são.
A outra questão tem a ver com a própria compreensão do que seja crime para a comunidade. Ela traça uma clara linha divisória entre as atividades ilegais respeitáveis e as não respeitáveis. E neste caso, o jogo de azar é respeitável. E assim a conclusão do autor é que as organizações mafiosas funcionam em Cornerville como os negócios legítimos operam em outras partes. E que o gângster molda sua atividade copiando o homem de negócios, e até se esforça para ganhar respeitabilidade a fim de ser aceito pela sociedade de fora do mesmo modo como é aceito em Cornerville.
E quanto aos políticos, estes devem levar em conta a posição social dos gângsteres, que segundo o autor, em muitos aspetos é semelhante à daqueles. Os dois crescem em ambientes parecidos, têm influência sobre os mesmos grupos e têm muitos interesses em comum. Entretanto, apesar do enfraquecimento dos laços familiares entre a primeira e a segunda geração de imigrantes italianos na comunidade, o político deve contar com seu grupo familiar em suas campanhas. E aqui, os paesani, pequenas comunidades dentro da comunidade maior vinculados pelo lugar de origem na Itália, e que têm uma localização no espaço urbano bem definida, desempenham um papel importante na ascensão de qualquer político na comunidade. Ele não deve ignorar nem o papel destes, nem o dos lideres das gangues de esquina para sua eleição e carreira política em sua faze inicial.
Apesar de difícil de manter, a qualificação mais importante de um político é a de ser sempre fiel aos seus velhos amigos, à sua classe e à sua raça, e espera-se que melhore sua posição social apenas para servir a seu povo, o que acaba não se verificando na maioria das vezes.

Na conclusão o autor percebe que ainda que o lugar de morada do rapaz de esquina desempenhe um papel muito pequeno nas atividades grupais, sua vida, porém desenrola-se por meio de canais regulares e estreitamente delimitados. E que as ações realizadas explicitamente em nome da amizade revelavam-se parte de um sistema de obrigações mútuas. O líder do grupo se revela como o ponto central da organização de seu grupo para sua unidade ou sua desintegração, bem como para a relação do grupo com outros agrupamentos da comunidade.

O que o autor tenta mostrar em sua obra é justamente a desarticulação existente entre a sociedade americana tradicional, e a comunidade de imigrantes italianos que vieram aos EUA desde o final do séc. XIX. Essa desarticulação está no fato de a sociedade americana atribuir grande valor à mobilidade social, mas por outro lado dificultar a ascensão social ao homem de Cornerville. Primeiramente, porque o distrito onde se encontrava a comunidade era vista como caótica e “fora da lei”. E as pessoas de classe alta colocavam os italianos entre os imigrantes menos desejáveis. Esse preconceito resultou no surgimento do Homem Marginal. Esse bloqueio vinha dos dois lados. Seguindo a política republicana e buscando uma assimilação, o indivíduo se sentiria desleal e seria deixado sem apoio social por parte dos seus, seria marcado como uma pessoa inferior. E aí o autor sugere como solução alternativa que,“O ajuste deve ser feito em termos de ações. As pessoas de Cornerville se ajustarão melhor à sociedade que as circunda quando tiverem mais oportunidades de participar dessa sociedade. Isso significa provê-las de melhores oportunidades de participar dessa sociedade (...) de melhores oportunidades econômicas e também dar-lhes maior responsabilidade na direção de seus próprios destinos.” (p. 278).
Assim o autor conclui que é um equívoco considerar Cornerville como sendo uma comunidade desorganizada. Ela se encontra num fluxo, mas um fluxo organizado, apesar dos conflitos existentes no espaço urbano, resultantes da pobreza e da falta de reconhecimento social.
A obra Sociedade de Esquina, como um trabalho que se tornou um clássico para o estudo de comunidades urbanas, segue a mesma linha da Escola de Chicago. Se por um lado o trabalho foi defendido como tese de doutorado na Universidade de Chicago, por outro, o próprio Louis Wirth fez parte da banca examinadora, e insistiu que os teóricos dos estudos urbanos da época fossem incluídos no trabalho para que este fosse aprovado.

É uma obra que trouxe uma contribuição significativa para a sociologia e outras áreas das ciências sociais usando o método quantitativo, e mais precisamente com a técnica da observação participante. Procurando estabelecer bases mais científicas para a pesquisa social, sua teoria surge da própria pesquisa empírica, isto é, dos fatos que vai observando no processo do trabalho.
Mesmo que os conceitos não estejam explícitos e definidos ao longo do texto, pode-se perceber a influência da sociologia e antropologia da época e do lugar em que o trabalho foi realizado. Quando poderia ter usado os conceitos de desorganização, aculturação e assimilação, Whyte se limita a falar de adaptação, ajuste e etc., o que mostra de certa forma sua originalidade e autonomia no trabalho.
Se há críticas negativas a serem feitas, elas mesmas são apresentadas pelo próprio autor no anexo A do livro. Poderia se acrescentar que em certos momentos os diálogos e as descrições se tornam longas demais para certos leitores não muito dados a este tipo de leitura.

Eugênio José Bras - bolsista de doutorado do CNPq

Um comentário:

Unknown disse...

Gostei bastante da sua resenha.

Ela está clara e toca no que acho que são os pontos principais do texto.

Muito obrigada por disponibiliza-la.