quinta-feira, 27 de setembro de 2007

"Um estudante brasileiro no exterior: impressões do cotidiano", por Breitner Tavares


A classe da hiperclasse

Pois é…já se vão quase três meses.
Hoje passei o dia escrevendo resenhas “sumaries”. Após terminada a tarefa, home work, resolvi escrever de forma rasteira, como se eu quisesse simplesmente ter uma conversa na esquina com uma pessoa qualquer que estivesse passando, ou algo do tipo. É claro que nesse caso estamos mais para uma encruzilhada, que para uma esquina, mas em todo caso, que seja ao menos uma esquina digital.
Aqui, em São Francisco, estou tendo a grande oportunidade de estudar inglês como parte de um programa de doutorado sanduíche, custeado pela Comissão Ford apoiada de Ford International Fellowship Program.
Tenho freqüentado aulas de inglês na University of San Francisco, dentre várias atividades temos que desenvolver habilidades no que se refere à escrita e leitura em inglês. Meus colegas são em geral estudantes internacionais vindos da Ásia, China, Tailândia, Japão e principalmente Coréia do Sul. Há também uma israelense, um Saudita e uma Alemã. Em geral eles têm entre 18 e 24 anos. Eles desejam prestar exames para admissão em universidades americanas, todos jovens com grandes expectativas. Dentre os cursos mais ambicionados por eles estão marketing, accountability e o mais procurado: business and management, infelizmente, não encontrei ninguém interessado em ser sociólogo. Parece que esta carreira soa meio “old fashionable” para essa geração, mais interessada nos fluxos internacionais da crescente hiperclasse mundial. Ao que tudo indica, essa juventude internacional irá compor os quadros burocráticos, os withe collars da administração da circulação de capitais de seus paises num futuro próximo. San Francisco é mais uma cidade global, que tem sua história de riqueza primeiramente, ligada a extração do ouro, mas que agora sede ao “ouro tecnológico” do Vale do Silício.
Um professor de TOEFL, numa de suas aulas, tentou didaticamente nos explicar como funciona a estratificação social em San Francisco. Primeiro, ele nos advertiu que “classe” seria um assunto tabu nos EUA, ou seja, nada de ficar se expondo quanto a sua posição de renda, ou mesmo, tocar no assunto finanças numa conversa no espaço público. Por outro lado, poder-se-ia observar facilmente o sistema de distinção de classe através daquilo que os americanos mais apreciam: os carros. Há uma posição geral de que os pobres se deslocam em transporte público (isso ainda seria um privilégio, pois em outras cidade americanas é comum a inexistência de transporte público), a classe média nos Toyotas Corola e Hondas Civic, os mais abastados estariam ostentando seu Mercedes Benz e BMW. A ética do trabalho e da acumulação é algo central na cultura americana. Além disso, tal ética, como não poderia ser diferente, está centrada no esforço individual. Isso ajuda a compreender melhor o tabu, quanto à discussão aberta sobre “posição classe”. Finalmente, antes que a aula terminasse recebemos ainda, uma referencia a respeito do escrito Horatio Alger(1832- 1889), escritor americano de contos infantis que sempre narra estórias em que, o protagonista tem um sonho, um objetivo, mas que sofre duras penas antes de alcançá-lo. O final para aqueles que se submetem ao esforço do trabalho duro é a recompensa do sucesso. Portanto, Alger seria o escritor referencial para aquilo que conhecemos como o Americam dream.
Esta semana lemos um pequeno texto de Richard Magee Staring Eyes See Stereotypes, Not a Person de um magazine chamado YO! . O texto é basicamente a manifestação, de um jovem negro, um escritor, bem sucedido na escola e na vida social de sua comunidade, mas que ao se deslocar para outras localidades de San Francisco eventualmente era observado com temor e /ou ameaça, simplesmente por ser negro. Magee era literalmente expulso de seu próprio mundo, ou mundo que ele pensava pertencer. Diante disso, daí ele questiona: “How can you fell at home when people are constantly telling you to get back to Africa or México- or just back to where you belong?”
Em geral, ele considera que sua atitude em tempos passados era explosiva, mas que o amadurecimento sobre a questão do racismo o levou a uma atitude mais racional, mas não menos combativa. Ele menciona um tio que chegou a imprimir numa camiseta a frase No withe lady, I don’t want your purse. Para o autor, a ironia e a crítica mordaz passaram a ser freqüentes companheiras para enfrentar aquilo que ele chamou de “milhares de pares de olhos que dizem para você, em sua própria cidade, que você não é bem vindo”. How can you even consider your own city home when everyday a hundred of eyes tell you you’re not welcome?
Nossa professora, uma nova-iorquina, filha de migrantes italianos e casada com um equatoriano, nos sugeriu, que nos reuníssemos para então discutirmos o polêmico tema relacionado ao racimo na América. Foi nesse momento, que comecei a perceber, me dar conta, que eu não tinha colega ao meu lado. Eu explico melhor. Todos escolheram sentar-se com pessoas que falam sua mesma língua, mandarim, japonês, coreano. Então sobrou o português, aliás, sobrou o brasileiro. A professora meio constrangida recomendou-me que eu buscasse um grupo para discutir o tema. Acabei ficando num grupo de uma israelense negra e uma chinesa. Então quando me aproximei, a garota chinesa passou, com toda sua sinceridade a expor sua posição favorável à idéia de que os negros realmente causavam temor nas pessoas. Eles falavam um inglês que, segundo ela, era incompreensível. Inutilmente, tentei explicar que em São Francisco há pessoas falando várias línguas diferentes e que os negros tinham além do inglês corrente, tinham sua própria língua. Contudo, antes que eu perdurasse um pouco mais na minha retórica, ela me interrompeu para reiterar que além de não falarem um inglês aceitável, os negros não sabiam se vestir. Para ela, eles seriam realmente perigosos. A garota negra não disse nada, a não ser que já tinha sido assediada no ônibus outro dia por um rapaz negro, e que tinha ficado muito assustada, indo chorar nos braços de seu namorado brasileiro, branco, filho de imigrantes italianos. Poucos instantes depois, a professora acionou um sinal sonoro, informando que já havíamos discutido suficientemente o tema e que vocabulário (e os valores Americanos) se adquire com o tempo. Era hora de passarmos a outra atividade. Após o chamamento, levantei-me e voltei para meu confortável e solitário lugar (na sala de aula) em San Francisco. Eu me senti um pouco como o rapaz da história, que se sentia meio outsider em sua própria cidade.
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2 Outsider city: Multiculturalismo hoje _____________________________________________

Breitner Tavares é doutorando em sociologia pela Universidade de Brasília - UnB e bolsista internacional da Fundação Ford e Comissão Fulbright. Atualmente, desenvolve seu trabalho de pesquisa na Universidade de Berkeley – Califórnia, na condição de visiting scholar, no departamento de Estudos Étnicos. Breitner tem se dedicado a estudar formas de orientações coletivas em espaços segregados no Distrito Federal, como em Ceilândia-DF, cidade em que nasceu.

Doctorate student in Sociology at the University of Brasília – UnB. The author has a Ford Foundation International Scholarship and a Fulbright Fellowship. Nowadays, the author is a visiting scholar at Ethnics Studies department at UC. Berkeley - California. Breitner have studied about social presentation and its relationship with space in Brasília.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog. É muito bem editado e os textos bem escritos. Gostei do texto sobre o Lúcio Costa e a frase: "era rabisco e pulsava". Fiquei pensando sobre isso!
Abraço, Suely.

Anônimo disse...

Salve Black Brother! Breitner querido..perdi a sua despedida..o caldo e o samba, certo! Te espero pra uma breja na esquina;0)..tenha certeza que a terra vermelha tb sente falta de vc..não por ser mais "um neguinho na favela" e nem pra te fazer sorrir..mais por ser um homem com um sonho, movido pelo amor e dedicação!..Um guerreiro..Um intectual em construção provando para si e para o mundo quantas arenas pode ocupar, como dialoga com o poder, a branquitude e as hiperclases da sociedade de consumo..e melhor, como se apropriar dos códigos de quem quer nos dominar! Não se engane nêgo!..não se guie pelos olhares e sim pelos seus objetivos..geração ação afirmativa te aguarda!! Vc não está só!..tamos juntos e misturados..estilo Franz Fannon, um corpo negro em qualquer lugar do mundo, será sempre um corpo negro...e sempre que em movimento haverá uma legião com ele!!(adendo meu..rs..rs!) Um abraço! Parabéns pelo canal aberto!!um sorriso negro pra você!Lia Maria direto da terra vermelha e seca que risca até pensamento!
PS: Notícia de uma guerra particular: Tropa de Elite é a sensação..BOPE "faca na caveira" vai entrar oficialmente nas quebradas em novembro..só Deus!bj.