segunda-feira, 22 de outubro de 2007

"O olhar de Mission 24th Street", por Breitner Tavares


Fragmentos de gênero, masculinidade e transexualidade em San Francisco- Califórnia


Hoje encontrei Weber na entrada na biblioteca do College Montanha Solitária, daí pegamos seu carro, um toyota hibrido, como quase tudo em San Francisco. Nós fomos para o bairro de Mission, mais conhecido como Mission 24th street. Trata-se de um bairro originariamente ocupado por uma grande população latina, especialmente vinda do México. Durante o caminho, Weber me mostra uma casa simples, mas que seguia o adornado estilo vitoriano, muito recorrente em toda a cidade. A casa de dois quartos, com uma desgastada pintura cor rosa, com a fachada já meio deteriorada teria pertencido a sua avó, uma panamenha que nos anos 40 migrou para os EUA. Weber conta que antes de sua avó morrer, a casa que hoje custa um milhão de dólares, foi vendida. Hoje o bairro estaria passando por um processo de gentrificação. Uma alta classe média branca estaria se mudando para a região, que além de famosa pelo entretenimento, se encontra bem localizada em relação aos serviços, ao local de trabalho e transporte. Atualmente, os latinos estariam se deslocando para outras localidades menos prósperas como West Oakland and Fruivale. Farmeiros com também são conhecidos, os latinos desde as primeiras décadas do século XX vem à Califórnia para trabalharem na produção de hortifrutigranjeiros. John Steinbeck, nobel em literatura, com livro Grapes of Wrath (1939) narra num tom autobiográfico parte de sua história em convívio com o migrante latino que se submete a condições sub-humanas em sua luta pela sobrevivência.

Depois de rodar quase 20 minutos a procura de uma vaga no meio fio, finalmente estacionamos. Daí fomos até um pub chamado Elbow Room. Após uma boa cerveja bock passamos a conversar sobre generalidades. Então notei que Weber olhava para todas as mulheres que passavam. Todas sem exceção era motivo para aquela olhadela. Isso provavelmente não seria motivo para qualquer comentário num país como o Brasil. Mas é curioso como em SF, uma cidade notadamente heterogênea em termos de tipos humanos, tem a sua ética do olhar reservado como premissa fundamental. Eu vou tentar explicar. Bem ali, nas proximidades do centro, como Civic Center ou Powell Street, próximo a estação do BART (Bay Area Rapid Transit) ninguém olha ninguém com aquele conhecido olhar inquiridor. A indiferença é regra básica. Weber além de olhar para todas que passavam, ele ainda buscava minha cumplicidade. “Olha só essa, é ou não é maravilhosa?” Ele me falou de sua namorada húngara e que já havia viajado ao Equador onde teria tido uma amante, uma hippie com influências católicas. Ele ainda me revelou que numa dada ocasião ouviu de sua namorada equatoriana, que ele deveria procurar uma amante brasileira, pois só elas gostariam de fazer sexo frequentemente. Ao dizer isso ele olhou pra mim, meio que esperando uma confirmação ou algo parecido, mas confesso que isso me deixou um pouco embaraçado, confuso. Meu conversation brother queria saber como conquistar uma brasileira. Eu cinicamente lhe perguntei por que ele olhava a todas que passavam, pois isso não parecia comum naquela cidade. Então ele passou a apresentar um quadro esquemático do olhar americano. Segundo Weber se prestasse atenção eu perceberia que o negro americano normalmente olha para as mulheres na rua, no ônibus. O latino seria semelhante, por outro lado o homem branco teria uma atitude auto controlada, o que expressaria uma suposta sensação de superioridade. Ele não olharia, pois ele já seria positivado pela sua branquitude. Ele não olha porque já seria preferido. O autocontrole puritano ocidental seria um traço de um sentimento de superioridade em relação aos “outros”. Weber ainda disse que achava isso ridículo, e que bom mesmo era dar uma olhadinha e se possível lançar um gracejo tipicamente cafajeste. Depois disso ele ainda quis tematizar sobre o mito da bunda no Brasil e do sangue latino. Eventualmente, quando uma mulher americana passava, ele dizia que pra ela só o sucesso profissional e financeiro sexo seria uma coincidência. Finalmente, como se já não bastasse, nossa “conversa de homem” chega a uma curiosa teoria sobre o homem latino americano.

Segundo Weber, o homem latino tem com um valor fundamental a afirmação de sua virilidade. Ser macho em toda sua estereotipia significa a forma rude no trato e a busca pela mulher submissa e frágil. Isso seria sua explicação para o relacionamento homossexual entre latinos e gays travestis em San Francisco. Como eles se trajam como mulher, a existência precária do pênis não seria um entrave para um relacionamento harmonioso a dois. Ele ainda comentou: “o latino costuma dizer. Se parece mulher é mulher”. Daí não me contive e perguntei. E para o americano, parece o que? Daí Weber mudou de expressão, foram dois segundo de silêncio até que ele dissesse rispidamente no bom estilo americano: “Eu não sei! Eu nunca tive essas experiências.” Ele reiterou essa idéia umas duas vezes. E no bom pragmatismo americano ela ainda me convidou para visitar um lugar onde, segundo ele, os latinos encontravam “suas mulheres”. Era uma bar com pouca iluminação. Só havia homens, mas nenhum travestido. Então Weber disse. “Acho que tá muito cedo. Mas é aqui é um dos lugares onde eles freqüentam.” Aquilo me parecia estranho, pois era como se eu estivesse explorando o lugar de modo distanciado, sem “envolvimento”. Olhamos e em seguida saímos. Eu não sabia nada sobre Weber, a não ser que ele foi o primeiro californiano politicamente incorreto que conheci e que não se preocupou em fazer qualquer cerimônia.

Algum tempo depois Weber me deixa em Civic Center, então desci as escadarias do BART, e como de costume ninguém olhava ninguém, a não ser de forma distraída ou acidental, e eu sabia que eu não era branco, nem auto-controlado.

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Breitner Tavares é doutorando em sociologia pela Universidade de Brasília - UnB e bolsista internacional da Fundação Ford e Comissão Fulbright. Atualmente, desenvolve seu trabalho de pesquisa na Universidade de Berkeley – Califórnia, na condição de visiting scholar, no departamento de Estudos Étnicos. Breitner tem se dedicado a estudar formas de orientações coletivas em espaços segregados no Distrito Federal, como em Ceilândia-DF, cidade em que nasceu.


Doctorate student in Sociology at the University of Brasília – UnB. The author has a Ford Foundation International Scholarship and a Fulbright Fellowship. Nowadays, the author is a visiting scholar at Ethnics Studies department at UC. Berkeley - California. Breitner have studied about social presentation and its relationship with space in Brasília.

2 comentários:

Anônimo disse...

Salve o Breitner mil perdões à demora. Tava crente noutros dispositivos. Assim po-los-emos. Bom dia aí a quem for. Bem, inicio pelo fim: ' alto controlado', independente de toda qualquer vetusta altaneira sociologia, jamais me pintou tal. Quererá se tratar de alguém , meio meio meio , de que quando não convém, deixemos - afinal , I had no experience about - para evitar antecipações fortuitas. Há lastros fortes de outras, digmaos, carreiras psíquicas e pronto pedestre - tipificada - algo lá temperada do indivíduo, seja lá o que tnato isto venha despertar. Já o fez no canto Mission and so whatsoever?
Consta mais, um soerguer, ou baixeza melíflua da qual nada negro, negra talvez, escapa, às fantasias, delírios, torpores e sonambulismos. As noites , pros sonos - mi ne parolis dream - tão bem? Estimemo-las muito , absolutamente aos extremos.
Mas, deixa escapar bem tiquin de a quanto, há tanto, ocorre de cada qual ter se dado à preparaçoes condignas deste nome e perfis. O que de mais isto diga à cidade, ponto remoto, sazonal, indigesto ou próprio, indefeso mas estimulante as pernadas do que convença às intimidades de A, 1, mulher; tão menos fácil lhe visar o peito, figuradamente? Ou tem mais nesgas, pitos de laivos pessimamente ainda atados com delicadezas e ternuras, robustez e convicção do chamamento das intimidades proferidas. Proferem-se preferidamente?
Ab, deste velho da QNL 01, Dion

amigavendebsb@gmail.com disse...

eu adorei o seu texto.