O artigo da colunista Danuza Leão neste domingo (Folha de São Paulo: 23/03/08) nos brinda com uma análise curiosa dos políticos e, termina expressando um desejo um pouco parecido com a rotina em algumas favelas do Rio de Janeiro: “a vontade que dá é de jogar uma bomba – várias aliás – e acabar com Brasília”(sic). A proposta é no mínimo curiosa na medida em que é feita por uma moradora daquela cidade que, apesar de ter mais funcionários públicos no Brasil (mais do que Brasília), mesmo assim, vive afundada em mazelas de toda ordem, inclusive entre seus políticos. Significa no mínimo que, em deixando de ser capital federal e, portanto, abrindo mão dos parlamentares federais no seu território, inclusive explodindo o Palácio Monroe para não deixar vestígios desta gente, tudo continua como antes na terra de São Sebastião.
A nova capital, em tão pouco tempo, transformou-se numa das referências da tão procurada identidade nacional, mesmo se um pouco profana, pois construída em pleno século XX, longe das influências de elites históricas ou de tradições, algumas delas duvidosas, surgindo no meio do nada. Talvez seja esse descompromisso com os padrões estabelecidos que permitiu esta verdadeira heresia: tirar o título de capital do país do Rio de Janeiro, que embora já o tivesse tirado de Salvador da Bahia, o fez na época segundo os cânones então legítimos. Brasília é inovadora também por isso: feita com base em princípios racionais de desenho e... suprema heresia, sem história. Aparece no imaginário como a vontade exclusiva de um político do interior do Brasil, talvez dotado de uma premonição um pouco fora da média, enfrentando o descrédito quase generalizado de todos, com exceção talvez dos que ali viam a possibilidade de emprego, os candangos.
Assim, passado esses anos, algumas representações sobre Brasília já deixaram de ser levadas a sério pelos de bom senso. Sem bairrismos de boteco, talvez a real ilha da fantasia no Brasil esteja ainda no Rio de Janeiro mostrado pelos meios de comunicação, nos festejos carnavalescos, nas telenovelas, na escolha da musa de verão, na propaganda de bebidas.... Neste ano em que se comemora a chegada da Corte no Rio de Janeiro, quando livros e pesquisas aparecem mostrando o real significado daquele desembarque apressado, o Rio colonial é mostrado sem as cores da tv. Talvez apontando que a sua história é também plena de pontos obscuros. Hoje a cidade se transformou num balneário que vive entre as guerras de quadrilhas e a rotina de uma precariedade urbana lastimável para quem já foi capital do pais. E tudo isso sem os parlamentares federais enviados de presente para o Planalto Central. Ilha da fantasia, por exemplo há muito deixou de ser uma metáfora adequada para caracterizar Brasília, mesmo se povoada também por políticos das mais variadas origens, inclusive carioca.
Não se pode, porém dizer que Brasília, às vésperas de completar 48 anos, seja exatamente uma senhora, que se ofendesse com essas pulsões. Pulsões essas meio inesperadas para alguém que escreve manuais de boas maneiras e conta quase tudo sobre sua proximidade ao longo da vida com certa elite nacional. Digamos que balzaquiana seja um termo mais apropriado para nos referirmos a Brasília, sobretudo nesses tempos em que a esperança de vida está prolongando a da média da população. Assim, sem dúvida um certo rubor na face, nada mais que isso é o que a cidade sente.
Brasilmar Ferreira Nunes é professor do Depto de Sociologia da Universidade de Brasília. Pesquisador do CNPq.
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