segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Como avaliar um projeto de pesquisa


Texto retirado do blog Ciência Brasil:


Olá pessoal
Eu dei ontem um parecer de um projeto enviado ao National Sciencie Foundation (NSF), dos EEUU. O NSF é como se fosse o CNPq americano. A única diferença é que tem 20 vezes mais verba e atende a quase 1 milhão de pesquisadores.

Ao avaliar o projeto (que era por sinal muito bom e imenso; a verba mínima que se podia pedir naquele tipo de projeto - Carrier Project - é de USD 500.000), tive que responder a uma série de perguntas pelas quais gostaria de mostra-las aqui. Achei muito pertinente o critério deles. São dois blocos de perguntas e cada um deles com um campo para o referee escrever. É um formulário bem simples. Eles não pedem para contar os papers que a pessoa tem no curriculum, não falam de índices H e nem fatores de impácto de revistas.

Quem saber é se a pesquisa proposta é boa, se o cara sabe fazer o que propoe fazer, e se terá valor para a sociedade americana o resultado da pesquisa. Além disso, eles se importam com ensino. O projeto de pesquisa tem que vir junto com um proposta educacional, na qual a pesquisa ajuda o ensino e vice-versa.

Aqui em Pindorama, se o pesquisador diz que dá muitas aulas e está envolvido na formação de cérebros para o futuro, o pessoal do CNPq ja pensa assim: "ah, este cara desperdiça sua energia com aulas e não tem tempo de fazer pesquisa - projeto negado!"

Bem, vamos conhecer o que o NSF pergunta ? (coloquei abaixo os principais ítens de cada um das duas perguntas)

What is the intellectual merit of the proposed activity?Potential considerations: How important is the proposed activity to advancing knowledge and understanding within its own field or across different fields? How well qualified is the proposer (individual or team) to conduct the project? (If appropriate, please comment on the quality of prior work.) To what extent does the proposed activity suggest and explore creative and original concepts? How well conceived and organized is the proposed activity? Is there sufficient access to the necessary resources?

What are the broader impacts of the proposed activity?Potential considerations: How well does the activity advance discovery and understanding while promoting teaching, training, and learning? To what extent will it enhance the infrastructure for research and education, such as facilities, instrumentation, networks, and partnerships? Will the results be disseminated broadly to enhance scientific and technological understanding? What may be the benefits of the proposed activity to society?

Cada item não tem um peso definido, como se faz no CNPq ou na CAPES. O referee é que decide o que ele acha ser mais importante para o projeto que ele esta julgando. O projeto que eu lí e revisei tinha uma excelente proposta de ensino de graduação, que depois irei comentar.

Leitor: o que você acha do estilo americano de avaliar projetos?

Será que podemos aprender algo com eles? Ou não precisamos? ...afinal, nosso parque científico e tecnológico esta indo as mil maravilhas, não é mesmo? (risos)

Mande seu comentário :o)

sábado, 10 de novembro de 2007

V Semana de Sociologia - UnB



O Departamento e o Programa de Pós-Graduação em Sociologia estarão realizado entre os próximos dias 12 e 14 de novembro a V Semana de Sociologia. As atividades ocorrerão nos auditórios dos Institutos de Humanidades e de Matemática. Serão concedidos certificados aos participantes.


As inscrições deverão ser feitas na Secretária do Departamento de Sociologia, com o Samuel. Tel. 33072389
E-mail: samuel@unb.br

"Cartografia Olfativa de San francisco Down Town", por Breitner Tavares.


Há algumas experiências que são definitivas na construção da memória. Afinal de memória está associada a um processo seletivo lembranças e esquecimentos.


Desde que cheguei a San Francisco passei reconhecer a cidade de vários modos, mas não estou muito interessado em reconhecer a arquitetura urbana pela formas e contornos que uma experiência visual mais imediata proporcionaria. Na verdade estou construindo um mapa olfativo/afetivo de São Francisco.


O clima semelhante ao mediterrânico, com algumas oscilações gera a necessidade de edificações com portas que possam vedar a entrada da umidade e, portanto do frio. Esse isolamento térmico é perfeito pra criação do que eu poderia chamar de “bolhas aromáticas”. As casas de madeira aquecidas a gás butanol se misturam com o cheiro da madeira e umidade o que gera um odor de coisa velha e apodrecida. Recordo-me que perguntei várias vezes. “Mas que cheiro é esse?” Normalmente a resposta era “cheiro? Que cheiro?” Mas de fato passado algum tempo aquilo que incomodava minha memória desapareceu do meu olfato.


Acho que as experiências mais extremas em relação à cidade e o cheiro ou em alguns casos seu “mau cheiro”.


Lembro-me dos primeiros dias utilizando o sistema de ônibus elétricos da cidade o MUNI. Normalmente ele ficava meio cheio, mas não muito. Latinos, Asiáticos, brancos, negros, velhos, crianças, jovens, homens de terno e gravata e mendigos. De fato, o MUNI é uma espécie de síntese da população de São Francisco. Toda essa gente reunida cria um cheiro peculiar, e às vezes bem intenso. Acho que esse foi o cheiro mais democrático que já senti na vida. E como em qualquer regime que divide opiniões, às vezes eu o achava inaceitável, especialmente quando eu notava algo meio parecido com vômito espalhado pelo seu assoalho. Isso não era muito raro, pois por aqui o arranjo das ruas obriga o veículo acelerar e frear bruscamente devido ao excesso de cruzamentos, algumas pessoas passavam mal e deixavam seu rastro. Ainda nessa semana eu sentei de frente para uma jovem garota. Ela era loira, olhos azuis abatidos e com uma velha maquiagem escura. Ela usava um velho jeans e moletom surrados. Ela trazia consigo além do ipod e fones de ouvido, um par de tênis em suas mãos pois ela estava calçada com uma sandália branca que revelavam seus pés e unhas com um esmalte lilás já surrado pelo tempo. Ela tinha um olhar vazio voltado pra janela. De fato ela só me evitava. Mas o tênis e o seu mau cheiro me davam uma pista do quanto ela já havia percorrido até chegar ao MUNI. Contudo, ninguém se manifestava afinal it wasn’t our business.


Já no Shopping Westfield, um dos mais caros e movimentados da cidade além de estar localizado num prédio dos anos 50, completamente reformulado, com alguns traços de neoclássico e art deco. Alí tive outra amostra da diversidade dos odores e aromas de San Francisco. Logo na entrada, fui recebido por um suave aroma de que lembrava algo semelhante a uma a baunilha. Na verdade, eu não estou bem certo de que tipo de cheiro era esse, provavelmente era o contagiante cheiro do consumo algo meio sweet dreams. O cheiro doce era algo meio, entorpecente. O mais curioso é que esse cheiro representava uma linha divisória entre o cheiro da rua, ocupada pela população mais ordinária da working class, e o espaço aquecido e seletivo do shopping mall.


Talvez o cheiro mais impessoal de São Francisco esteja no metro BART. O ambiente arejado das galerias e o ar condicionado dos vagões selecionam uma classe média. Blue collars, profissionais liberais aproveitam o tempo para lerem seu e-book em seu PDAs enquanto aguardam a estação desejada. O cheiro é simplesmente uma equação entre conforto status social. Por fim, na civitas contemporânea regida pela crença na nanotecnologia, ninguém fede nem cheira, a não ser um pouco de mofo.
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Breitner Tavares é doutorando em sociologia pela Universidade de Brasília - UnB e bolsista internacional da Fundação Ford e Comissão Fulbright. Atualmente, desenvolve seu trabalho de pesquisa na Universidade de Berkeley – Califórnia, na condição de visiting scholar, no departamento de Estudos Étnicos. Breitner tem se dedicado a estudar formas de orientações coletivas em espaços segregados no Distrito Federal, como em Ceilândia-DF, cidade em que nasceu.

Doctorate student in Sociology at the University of Brasília – UnB. The author has a Ford Foundation International Scholarship and a Fulbright Fellowship. Nowadays, the author is a visiting scholar at Ethnics Studies department at UC. Berkeley - California. Breitner has studied about social presentation and its relationship with space in Brasília.

3ª Resenha de “Alguns princípios de estratificação social” - por Wilson Duarte.

Resenha do texto: DAVIS, Kingsley e MOORE, Wilbert E. Alguns princípios de estratificação. In: VELHO, Gilberto. (Org.) Estrutura de classes e Estratificação social. Rio de Janeiro, Zahar Edit. , 1974.´

Idéia Central:
A idéia que os autores defendem na presente obra e que perpassa todo o texto é a de que a estratificação social, uma vez que se encontra presente em todas as sociedades conhecidas, pode ser tomada como funcional a toda sociedade enquanto condição para sua existência. Não seria, portanto, para Davis e Moore só uma coincidência que todas as sociedades diferenciem seus membros em posições distintas em termos de status e de reconhecimento. Tais distinções se relacionariam, para eles, com aquilo que a sociedade considera mais importante do ponto de vista da sua própria existência.


Conceitos trabalhados:
Para Davis e Moore haveria dois determinantes da hierarquia das posições dos indivíduos numa sociedade.


O primeiro, que eles chamam de “importância funcional diferencial”, diz respeito à recompensa que cada sociedade atribui à pessoa pelo desempenho de determinado papel na estrutura social. Cada sociedade estimula por meio de uma retribuição a manutenção daquelas posições mais essenciais e, ao mesmo tempo, faz com que desse modo as posições menos importantes se desigualem quanto às primeiras em termos de desejabilidade e de reconhecimento.


O segundo determinante, por eles chamado de “escassez diferencial de pessoal”, ocorre por haverem poucas pessoas com talento natural para certas ocupações e por ser o preparo para algumas atividades bastante oneroso e árduo. Por ser pouco o pessoal qualificado para o desempenho de tais atividades, o valor que elas tomam em relação àquelas consideradas mais banais, cresce substantivamente e as torna mais bem recompensadas que as comuns. Essa escassez seria também responsável pela estratificação social por estar relacionada com a raridade de pessoas aptas a ocuparem tais posições e com a conseqüente valorização dessas sobre as demais.


Breve síntese do texto:
O texto começa colocando que não há nenhuma sociedade conhecida na qual não se façam distinções de classe e que o esforço da presente obra vai no sentido de explicar a estratificação de uma perspectiva da funcionalidade dessa para a sociedade. Segundo os autores, ocorre que toda sociedade tem uma necessidade intrínseca de situar e motivar os indivíduos dentro de sua estrutura e de acordo com aquilo que se lhe impõe como questão mais elementar à sua manutenção. Não é possível que todas as pessoas desempenhem o mesmo papel dentro de uma sociedade, pois tal situação a levaria ao desaparecimento. Assim, a sociedade diferencia os indivíduos na medida da sua necessidade de vida, dado que as dificuldades que se levantam são plurais e diversas.


A sociedade, desse modo, teria dentro de si divisões de papel cuja origem remonta à preocupação com a sua própria existência. E por meio de recompensas, conseguiria assegurar que sempre esses papéis seriam preenchidos pelos indivíduos mais adequados.


Os autores apontam que aconteceriam duas formas de diferenciar os indivíduos na hierarquia das posições: uma tem a ver com as recompensas que a sociedade dá aos que desempenham as funções mais importantes (como forma de estímulo) e a outra com uma escassez de pessoal – tanto por serem poucos os que possuem talento natural para certas posições quanto por ser privilégio de poucos o ter condições de alcançá-las. Essa segunda possibilidade faria então com que certos lugares sociais se tornassem raros e, em função disso, valorizados em comparação com os mais acessíveis.


Comentários, críticas e sugestões:
O pensamento dos autores é bastante propício e muito bem encadeado. Particularmente a idéia da recompensa como uma forma de incentivar e até mesmo garantir que sempre existam determinados papéis numa sociedade para que essa continue a existir faz bastante sentido e é muito pertinente.


No entanto, não me parece de todo oportuna a idéia de que certos lugares sociais sejam necessariamente ocupados pelos indivíduos mais qualificados. Isso porque antes mesmo de eles virem a nascer e se posicionar dentro de uma estrutura social, de certa forma seu lugar já está definido previamente e se faz representar neles por meio de uma educação específica do grupo, família ou comunidade de que venham, direcionando-os num sentido ou noutro e fazendo com que, posteriormente, ocupem o lugar que lhes reservava a sorte. Não teria nada a ver com uma qualidade inerente às pessoas que ocupam dadas posições, mas com todo um contexto social e econômico - de classe - que as gera.


Sendo assim, nesse ponto eu discordo dos autores, pois acho que a ênfase está muito mais na criação e no processo de socialização por que passam as pessoas do que em qualquer coisa que não diga respeito a isso. É provavelmente uma crítica ingênua e da qual os autores se desvencilhariam sem grandes dificuldades. Mas eu, mesmo da minha modéstia, não acho que seja menos pertinente por isso.


Wilson Duarte
(wilson-duarte@hotmail.com)
Graduando em Ciências Sociais - colaborador.

2ª Resenha de "Alguns princípios de estratificação" - por Laiza Spagna

Resenha do texto: DAVIS, Kingsley e MOORE, Wilbert E. Alguns princípios de estratificação. In: VELHO, Gilberto. (Org.) Estrutura de classes e Estratificação social. Rio de Janeiro, Zahar Edit. , 1974.

No presente artigo os autores desenvolvem de uma abordagem estrutural funcionalista da estratificação social partindo da premissa de este mecanismo de diferenciação é condição necessária a qualquer estrutura social. Analisam, então, essa necessidade comum a todo sistema social, passando por seus princípios de fundamentação universais (mecanismos universais) e variáveis (formas de estratificação variam conforme o contexto social em que se encontram). A problemática do texto desenvolve-se sobre dois questionamentos: por que a cada posição corresponde em determinado grau de prestígio, e o que leva os indivíduos a assumirem certas funções; sendo as respectivas respostas complementares.


Para Davis e Moore a estratificação é um mecanismo necessário ao funcionamento regular da sociedade, pois corresponde uma estratégia formulada para que todas as funções demandadas sejam satisfatoriamente preenchidas. Dessa forma garante-se que a toda posição necessária ao equilíbrio social corresponda um determinado grupo de indivíduos interessados em cumpri-las. O que se dá porque cada posição traz um conjunto de deveres e direitos a reboque, oferecendo determinados benefícios e exigindo certos requisitos aos que a ela se dispõem. Para os autores, esses benefícios são as motivações que estimulam a pretensão às dadas posições sociais, e os requisitos são as formas de tornar algumas mais escassas, cerceando seu acesso, além de condicionar a ocupação das menos importantes (pelos inaptos a ocupar as mais importantes). Assim, cada posição exige determinados atributos individuais, ligados ao que os autores chamam de talento e treinamento, para que sejam desempenhadas com a diligência que exigem. E, conforme tais atributos sejam encontrados em maior ou menor abundância na sociedade, as respectivas posições são consideradas mais ou menos importantes.

Nesse sentido a hierarquização das posições sociais se faz pautada na importância que a função representa para a sociedade e conforme a quantidade de treinamento que exige. Aquelas que exigem menos treinamento são mais facilmente preenchidas, e não necessitam oferecer grandes recompensas. Em contrapartida, grandes exigências são feitas no sentido de tornar escassa certa função, preenchível apenas por talentos raros, alto grau de competência e longo treinamento – muitas vezes de difícil acesso. Logo, suas recompensas são bastante atraentes aos ocupantes, conferindo-lhes alto grau de status. Finalmente, a abundância ou escassez dos quesitos exigidos podem varias conforme o tipo societário, cujo contexto cultural, econômico, social e histórico pode influir na maior ou menor disponibilidade de talentos e treinamento.

Os autores estabelecem algumas formas de se estratificar a sociedade partindo de quatro funções essenciais. Primeiramente a religião é apresentada com grande importância social, pois é responsável, em grande medida, pelo compartilhamento de valores comuns, que conferem certa unidade funcional à sociedade. É dotada de mecanismos de controle dos comportamentos humanos a partir do momento em que aquele grupo passa a compartilha a crença num dado mundo supranatural, explicativo da realidade mundana. Assim, os cargos religiosos seriam de grande importância, pois são vinculados ao sagrado, e seus ocupantes associados às divindades, e por isso respeitável. Contudo, tais funções exigem baixa competência científica, e qualquer um torna-se apto a ocupá-las. Além da perda do potencial explicativo numa sociedade cada vez mais secularizada e tecnicista. O Governo, a seu modo, também exerce importante papel no regimento da sociedade. Orienta-a jurídica e legalmente, pois tem legitimidade para codificar normas de ordenamento social, podendo também punir seu descumprimento. Assim, produz e fiscaliza a lei, comumente aceita. E também é o governo o responsável pela mediação dos conflitos internos e externos, detentor legítimo dos instrumentos de defesa do bem comum. A posição dos governantes deveria corresponder então a um alto grau de prestígio. Contudo o mesmo não ocorre uma vez que o poder acompanha o cargo, terminando com o fim do mandato. Ademais, trabalha-se para o bem comum, e não para a promoção de interesses próprios. Outra função diz respeito à riqueza e à propriedade adquiridas, tal seja o poder econômico angariado numa determinada função. Ao contrário do que se pensa, o poder econômico não condições as outras esferas da vida social, ao contrário, é a posição social, sua relativa escassez e o status que representa, que garante determinada renda econômica. Finalmente, o conhecimento técnico e intelectual é apontado pelos autores como real definidor das funções mais importantes. Assim, aquelas que exigem maior conhecimento técnico, são mais raras e importantes. Essa escassez pode ainda ser provocada, com o monopólio que determinados grupos – famílias ou classes – detém quanto ao acesso às vias de treinamento.

Finalmente, são estabelecidas algumas possibilidades de variação das estruturas de estratificação em relação ao grau de especialização, à natureza da ênfase da função, a trajetória familiar que interfere nas oportunidades oferecidas, e o grau de solidariedade dos estratos. Devem ser consideradas também as variações relativas às condições externas ao sistema de estratificação, entendidas como: o estágio de desenvolvimento cultural, pois quanto maior, mais necessário o acréscimo de especialização; e a situação em relação às outras sociedades, pois situações de guerras e conflitos , assim como trocas comerciais e culturais, interferem na disposição da estratificação; e, por fim, o tamanho da sociedade, que limita a especialização funcional.


Crítica:
O artigo traz um raciocínio complexo e bem fundamentado para uma nova abordagem da estratificação social: a interpretação funcional estruturalista, que é bastante interessante no sentido de se pensar a diferenciação socialmente observável como uma questão de necessidade do funcionamento do todo social, e não apenas como simples conseqüência das relações de poder. Entretanto carrega as limitações de sua escola teórica de origem: é muito complicado se afirmar uma estabilidade social proveniente da conformação harmônica de funções desempenhadas pelos integrantes do todo. A própria sociedade capitalista contemporânea, extremamente complexificada em termos de especializações complementares, traz um conjunto de contradições e conflitos internos não explicáveis por esse modelo. Logo, a simples complementação de funções não pode ser tida como garantia de equilíbrio social. A sociedade não pode ser vista como um organismo humano cujas partes se complementam e cujas necessidades devem ser satisfeitas. Vale ainda a crítica de Anthony Giddens, ao argumentar que explicações funcionalistas podem ser tomadas como descrições históricas de ações humanas individuais, insuficiente para explicar a causação dos processos específicos do todo social, que não pode ser interpretado como um conjunto de partes.

Laiza Spagna

(laizaspagna@gmail.com)

Graduanda em Ciências Sociais - colaboradora.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

1ª resenha de "Alguns princípios da estratificação" - por Pedro Paulo

Resenha do texto: DAVIS, Kingsley e MOORE, Wilbert E. Alguns princípios de estratificação. In: VELHO, Gilberto. (Org.) Estrutura de classes e Estratificação social. Rio de Janeiro, Zahar Edit. , 1974.

Neste texto, os autores fazem uma analise de como a sociedade se utiliza de mecanismos de desigualdade social para incentivar a ocupação de determinadas funções dentro do “quadro social”. Afinal, todas as sociedades, independente do seu tamanho ou desenvolvimento tecnológico, precisam executar certas “funções” para que haja a sua subsistência e reprodução.

A sociedade necessita de indivíduos desempenhando determinados papéis para o seu funcionamento; segundo os autores, nem todas as funções são tão agradáveis de desempenhar quanto outras e nem todas as pessoas possuem qualificações para desempenhar certas funções; dessa maneira, a sociedade se utiliza de alguns “motivadores” para que os indivíduos mais aptos e mais qualificados ocupem essas funções. Através de um sistema de recompensas, a sociedade motiva os indivíduos. Essas recompensas podem ser: uma remuneração (salário) que garanta a sobrevivência da pessoa e o prestigio associado à função (que se refere à auto-estima do sujeito). Obviamente, as funções mais importantes e “necessárias” serão aquelas que vão “premiar” o indivíduo com um melhor salário e um maior prestígio (principalmente se comparadas a uma função de menor “importância”, seja porque essa função dispõe de muitas pessoas para executá-la, seja porque ela não é “socialmente estimada”).

Para estes autores, existem alguns determinantes para a “hierarquia das posições”; são eles: a importância da função para uma determinada sociedade e o treinamento e/ou o talento necessário para desempenhá-la. A sociedade, na verdade, somente necessita que uma função seja cumprida de forma satisfatória; nem todas suas funções, a despeito da sua importância, são recompensadas em proporção a sua contribuição para o funcionamento da “engrenagem social”. Dessa forma, se um cargo é facilmente preenchido, ele não precisa ser muito recompensado; por outro lado se é difícil preencher essa função, as recompensas para quem o fizer devem ser maiores. É importante lembrar que a posição de uma função na hierarquia, ainda assim, pode variar de acordo com os valores de cada sociedade, pois a despeito desses mecanismos, certas funções são mais desejáveis que outras (para a sociedade como um todo).

Em seguida outro fator é citado como importante para determinar a recompensa de uma função. Existem funções que requerem um treinamento especial, que pode ser longo e custoso, apesar de não ser necessária nenhuma capacidade mental ou talento extraordinário para exercê-las. Porém, esse longo processo de qualificação pode ser um entrave para que as vagas sejam “preenchidas”, daí, as recompensas devem ser suficientes para que valham o tempo despendido para a qualificação. (ex: médico)

Ainda segundo os autores, existem algumas funções principais em todas as sociedades, são elas: religião (toda a sociedade precisa de um sistema de valores religiosos) e o governo (que é indispensável e único, exercendo a violência legitima, mantendo a ordem, planejando e dirigindo a sociedade, etc).

O mecanismo de estratificação pode, às vezes, criar uma situação artificial de escassez para uma determinada posição, tendo em vista aumentar ainda mais o prestigio e as recompensas de uma determinada posição. Algumas posições, como já foi dito, podem necessitar de um talento especial ou treinamento. É comum que o acesso a alguns desses treinamentos e qualificações sejam controlados por alguns grupos, que tendem a manipular os mecanismos de acesso, de forma a aumentar o seu próprio prestigio.

Outra forma de distorção é o caso em que a recompensa por uma função é tão grande, que há um aumento excessivo da oferta de pessoas disponíveis, o que leva a uma desvalorização desta função, com a queda de seu prestigio e sua recompensa (ex: bacharéis em direto no Brasil). É interessante notar que este mecanismo pode ser perfeitamente explicado pela lei de oferta e procura.

Essas idéias sobre estratificação social são uma conseqüência lógica da divisão do trabalho social em Durkheim. Se cada vez mais as sociedades tendem a dividir o trabalho social, é lógico supor que essa mesma sociedade terá que dispor de mecanismos para articular essa divisão. Ao contrario de algumas correntes que consideram o trabalho dos grandes mestres da sociologia como mera “historia da ciência”, resignificar e recontextualizar seus trabalhos pode servir de grande ajuda nas análises de problemas recentes da sociologia.

Além disso, é importante pensar esses mecanismos como uma lógica intrínseca do funcionamento da sociedade; porém, mais importante é estar atento às nuances dessa idéia. Todas as sociedades tem valores que lhes são mais queridos, em comparação com outras sociedades. É fundamental ter isso em mente quando for fazer alguma analise baseada nesses conceitos; Além de usar recompensas materiais e sociais como incentivos para o desempenho de uma determinada função, não é raro que a sociedade apele para os possíveis “ocupantes” de um cargo em termos “valorativos”. Os indivíduos ocupam funções levando em conta os seus valores e aspirações, também.

Pedro Paulo Gonçalves de Araújo
Graduando em Ciências Sociais - colaborador.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Para que as cidades ressuscitem

Proposta: lançar, na cidade mais individualista e caótica do país, um movimento de ecologia urbana, capaz de questionar a civilização do automóvel e abrir debate sobre políticas que permitam uma existência digna.

Manoel Neto , Flávio Shirahige

Se São Paulo fosse um crime, como poderíamos evitá-lo? Pergunta inusitada, ainda mais porque "no país do futuro" esperaríamos que o amanhã chegasse primeiro na "cidade que nunca dorme". Porém, uma descrição atenta da cidade do ponto de vista da ecologia urbana pode nos ajudar a enxergar melhor esse crime e, quem sabe, como evitá-lo no futuro.

São Paulo é uma expressão exemplar do paradigma de "civilização" consumista: sua frota de veículos é a segunda maior do mundo, só ultrapassada por Tóquio, e cresce em ritmo oito vezes mais rápido do que a sua população. A cidade, que se transformou em metrópole sob a égide da indústria automobilística, cedeu seu espaço cívico para o carro e perdeu sua alma.

Seria até trivial apontar as estatísticas criminosas associadas ao símbolo da industrialização consumista de que São Paulo é exemplar: 92% da poluição é causada pelos carros, reduzindo em quase dois anos a vida média do paulistano. Acidentes automobilísticos são a maior causa de mortes não-naturais: 1.487 pessoas perderam a vida no trânsito da cidade em 2006, segundo a Companhia de Engelharia do Trânsito (CET). Além disso, há outros nove óbitos diários, em média, devido à poluição do ar, de acordo com estudo da Faculdade de Medicina da USP. Porém, não há nada de banal em indicar um dado quase apocalíptico: caso nada seja feito, São Paulo pode ter o ar tão poluído, em 2020, quanto a Vila Parisi, a área industrial de Cubatão conhecida como Vale da Morte.

Não é, de fato, uma cidade, mas um ajuntamento individualista, cujo símbolo maior é o carro, o maior crime de São Paulo. A péssima qualidade de vida resultante é o um crime contra as pessoas e o próprio meio-ambiente da cidade. Opção: ou Vale da Morte, ou cidade recuperada pela sociedade civil.

Talvez importe menos descobrir o criminoso do que saber como é que podemos ressuscitar o morto na sala de operações. Em outras palavras, como transformar São Paulo em uma cidade, em uma urbe habitada por cidadãos, aptos a discutirem suas condições de vida e pactuarem políticas que levem a uma existência digna?

Ao concebermos a cidade como um ente vivo, cuja saúde determina também a vida, felicidade e sofrimento dos seus moradores, ganham sentido os padrões de mobilidade no espaço urbano e outros elementos estruturais que viabilizam seu funcionamento – isto é, seu metabolismo. Deste modo, quando abordada da perspectiva ambiental, a vida urbana possui uma unidade que ser torna imediatamente visível, por mais fragmentada que ela pareça quando a cidade é tratada do ponto de vista do mercado ou do individualismo associal.

Nesse sentido, um movimento de ecologia urbana, que aborde os problemas da cidade do ponto de vista ecológico, pode nos ajudar a criar as forças necessárias para sairmos do atoleiro criminoso em que estamos. Não somente porque a conjuntura joga a favor dessa perspectiva – basta lembrar a questão do aquecimento global ou o movimento Nossa São Paulo –, mas porque haveria aí a possibilidade de resgatar uma unidade há muito perdida.

Se tomarmos como ponto de partida o combate a um dos símbolos mais criminosos de São Paulo – o automóvel – quem sabe não possamos mudar o rumo dessa história. Quem sabe, fazer com que as gerações futuras, ao olharam para o nosso presente, perguntem não que crime era São Paulo, mas como a sociedade civil criou um ser urbano pulsante nas primeiras décadas do terceiro milênio, muito distante de pertencer ao Vale da Morte.

www.josipaz.com

Fonte: Le Monde Diplomatique. Brasil. Edição Internet - Boletim 25 - 5/11/2007