sábado, 10 de novembro de 2007

2ª Resenha de "Alguns princípios de estratificação" - por Laiza Spagna

Resenha do texto: DAVIS, Kingsley e MOORE, Wilbert E. Alguns princípios de estratificação. In: VELHO, Gilberto. (Org.) Estrutura de classes e Estratificação social. Rio de Janeiro, Zahar Edit. , 1974.

No presente artigo os autores desenvolvem de uma abordagem estrutural funcionalista da estratificação social partindo da premissa de este mecanismo de diferenciação é condição necessária a qualquer estrutura social. Analisam, então, essa necessidade comum a todo sistema social, passando por seus princípios de fundamentação universais (mecanismos universais) e variáveis (formas de estratificação variam conforme o contexto social em que se encontram). A problemática do texto desenvolve-se sobre dois questionamentos: por que a cada posição corresponde em determinado grau de prestígio, e o que leva os indivíduos a assumirem certas funções; sendo as respectivas respostas complementares.


Para Davis e Moore a estratificação é um mecanismo necessário ao funcionamento regular da sociedade, pois corresponde uma estratégia formulada para que todas as funções demandadas sejam satisfatoriamente preenchidas. Dessa forma garante-se que a toda posição necessária ao equilíbrio social corresponda um determinado grupo de indivíduos interessados em cumpri-las. O que se dá porque cada posição traz um conjunto de deveres e direitos a reboque, oferecendo determinados benefícios e exigindo certos requisitos aos que a ela se dispõem. Para os autores, esses benefícios são as motivações que estimulam a pretensão às dadas posições sociais, e os requisitos são as formas de tornar algumas mais escassas, cerceando seu acesso, além de condicionar a ocupação das menos importantes (pelos inaptos a ocupar as mais importantes). Assim, cada posição exige determinados atributos individuais, ligados ao que os autores chamam de talento e treinamento, para que sejam desempenhadas com a diligência que exigem. E, conforme tais atributos sejam encontrados em maior ou menor abundância na sociedade, as respectivas posições são consideradas mais ou menos importantes.

Nesse sentido a hierarquização das posições sociais se faz pautada na importância que a função representa para a sociedade e conforme a quantidade de treinamento que exige. Aquelas que exigem menos treinamento são mais facilmente preenchidas, e não necessitam oferecer grandes recompensas. Em contrapartida, grandes exigências são feitas no sentido de tornar escassa certa função, preenchível apenas por talentos raros, alto grau de competência e longo treinamento – muitas vezes de difícil acesso. Logo, suas recompensas são bastante atraentes aos ocupantes, conferindo-lhes alto grau de status. Finalmente, a abundância ou escassez dos quesitos exigidos podem varias conforme o tipo societário, cujo contexto cultural, econômico, social e histórico pode influir na maior ou menor disponibilidade de talentos e treinamento.

Os autores estabelecem algumas formas de se estratificar a sociedade partindo de quatro funções essenciais. Primeiramente a religião é apresentada com grande importância social, pois é responsável, em grande medida, pelo compartilhamento de valores comuns, que conferem certa unidade funcional à sociedade. É dotada de mecanismos de controle dos comportamentos humanos a partir do momento em que aquele grupo passa a compartilha a crença num dado mundo supranatural, explicativo da realidade mundana. Assim, os cargos religiosos seriam de grande importância, pois são vinculados ao sagrado, e seus ocupantes associados às divindades, e por isso respeitável. Contudo, tais funções exigem baixa competência científica, e qualquer um torna-se apto a ocupá-las. Além da perda do potencial explicativo numa sociedade cada vez mais secularizada e tecnicista. O Governo, a seu modo, também exerce importante papel no regimento da sociedade. Orienta-a jurídica e legalmente, pois tem legitimidade para codificar normas de ordenamento social, podendo também punir seu descumprimento. Assim, produz e fiscaliza a lei, comumente aceita. E também é o governo o responsável pela mediação dos conflitos internos e externos, detentor legítimo dos instrumentos de defesa do bem comum. A posição dos governantes deveria corresponder então a um alto grau de prestígio. Contudo o mesmo não ocorre uma vez que o poder acompanha o cargo, terminando com o fim do mandato. Ademais, trabalha-se para o bem comum, e não para a promoção de interesses próprios. Outra função diz respeito à riqueza e à propriedade adquiridas, tal seja o poder econômico angariado numa determinada função. Ao contrário do que se pensa, o poder econômico não condições as outras esferas da vida social, ao contrário, é a posição social, sua relativa escassez e o status que representa, que garante determinada renda econômica. Finalmente, o conhecimento técnico e intelectual é apontado pelos autores como real definidor das funções mais importantes. Assim, aquelas que exigem maior conhecimento técnico, são mais raras e importantes. Essa escassez pode ainda ser provocada, com o monopólio que determinados grupos – famílias ou classes – detém quanto ao acesso às vias de treinamento.

Finalmente, são estabelecidas algumas possibilidades de variação das estruturas de estratificação em relação ao grau de especialização, à natureza da ênfase da função, a trajetória familiar que interfere nas oportunidades oferecidas, e o grau de solidariedade dos estratos. Devem ser consideradas também as variações relativas às condições externas ao sistema de estratificação, entendidas como: o estágio de desenvolvimento cultural, pois quanto maior, mais necessário o acréscimo de especialização; e a situação em relação às outras sociedades, pois situações de guerras e conflitos , assim como trocas comerciais e culturais, interferem na disposição da estratificação; e, por fim, o tamanho da sociedade, que limita a especialização funcional.


Crítica:
O artigo traz um raciocínio complexo e bem fundamentado para uma nova abordagem da estratificação social: a interpretação funcional estruturalista, que é bastante interessante no sentido de se pensar a diferenciação socialmente observável como uma questão de necessidade do funcionamento do todo social, e não apenas como simples conseqüência das relações de poder. Entretanto carrega as limitações de sua escola teórica de origem: é muito complicado se afirmar uma estabilidade social proveniente da conformação harmônica de funções desempenhadas pelos integrantes do todo. A própria sociedade capitalista contemporânea, extremamente complexificada em termos de especializações complementares, traz um conjunto de contradições e conflitos internos não explicáveis por esse modelo. Logo, a simples complementação de funções não pode ser tida como garantia de equilíbrio social. A sociedade não pode ser vista como um organismo humano cujas partes se complementam e cujas necessidades devem ser satisfeitas. Vale ainda a crítica de Anthony Giddens, ao argumentar que explicações funcionalistas podem ser tomadas como descrições históricas de ações humanas individuais, insuficiente para explicar a causação dos processos específicos do todo social, que não pode ser interpretado como um conjunto de partes.

Laiza Spagna

(laizaspagna@gmail.com)

Graduanda em Ciências Sociais - colaboradora.

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